Raphael Machado
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O Mundo Vota pelo Reconhecimento da Palestina - Mas Por Que o Mundo é Impotente para Parar Israel?

Hoje a Assembleia Geral da ONU votou majoritariamente pelo reconhecimento da Palestina como Estado soberano, o que, porém, ainda não representa o alcance do objetivo de reparação do erro histórico da ausência desse Estado entre o rol das nações.

É que a decisão final cabe ao Conselho de Segurança da ONU, que conta com os EUA entre seus membros; país que, há décadas, tem se comportado como "golem" do sionismo nas relações internacionais.

A Palestina, que até então era apenas "observador da ONU", recebe agora alguns direitos adicionais, estando impossibilitada apenas de votar na Assembleia Geral e de indicar membro para os assentos temporários do Conselho de Segurança.

A votação, naturalmente, é uma "censura" pela invasão de Rafah, região de Gaza que acumula mais de 1 milhão de civis palestinos, espremidos e com poucos suprimentos. A invasão tem como finalidade avançar com a limpeza étnica de Gaza, tornando a existência ali insuportável para que os palestinos deixem suas terras ancestrais para ir para o Egito, para a Europa e outras partes do mundo (o que, por sua vez, causará desestabilização em vários países).

Do alto de sua arrogância o representante do "povo eleito" na ONU reagiu de maneira histérica, desesperada e desequilibrada, como uma criança mimada sendo contrariada, chegando ao ponto de triturar a Carta das Nações Unidas - um ato que não faz senão demonstrar de maneira "gráfica" o desprezo que Israel tem pelo Direito Internacional.

É impossível entender Israel e a mentalidade de sua elite sem absorver que, na opinião deles, há leis para os "goyim" (nós, o gado) e leis especiais e excepcionais para eles, os "eleitos" (na verdade, pela Cabala [especialmente em suas versões antinômicas], propriamente "portadores" de Deus). É por isso que, para eles, é inaceitável que se queira submeter as suas ações ao mesmo crivo ao qual as ações de outras nações são submetidas.

Não obstante, apesar de votações, críticas e condenações, além de algumas rupturas comerciais e diplomáticas, a maior parte do mundo observa imóvel a limpeza étnica em questão. Naturalmente, a atitude é particularmente vergonhosa em se tratando dos países árabes vizinhos, os quais, excetuando o Hezbollah libanês e outras milícias árabes associadas, nada fazem contra Israel (ou até colaboram com ele, como a Jordânia).

Da parte dos países árabes isso se dá porque as suas elites são traiçoeiras, apaixonadas pelo ouro ocidental, postas no poder pelo Reino Unido. Algumas dessas elites (não raro maçônicas), inclusive, transformam os seus palácios presidenciais (ou reais) em prostíbulos, enquanto propaganda o salafismo mais fundamentalista para a plebe.

Mas há também um motivo que não pode ser esquecido. Como já apontado por alguns analistas, lidar com Israel é difícil por ser um país afetado por um caso extremamente desconcertante de psicopatia coletiva. Essa psicopatia coletiva, associada a um profundo narcisismo, não só facilita o genocídio mas está, também, por trás da Opção Sansão.

A Opção Sansão, ainda não suficientemente divulgada, é o projeto israelense de tentar iniciar um holocausto nuclear caso, atacando inclusive alvos europeus, em caso de grande derrota militar, independentemente de qual seja o exército inimigo.
Hoje o sentimento anti-Globo é encontrado majoritariamente na direita. Um sentimento que se tem intensificado, inclusive, com a tragédia gaúcha.

Mas é um sentimento anti-Globo amputado, caduco, dissonante. É um sentimento anti-Globo que concorda com tudo que a Globo defende em geopolítica e em quase tudo que ela defende de economia. Basta perguntar sobre temas como "Rússia e Ucrânia" ou "privatizações".

A relação da esquerda com a Globo, por outro lado, tornou-se ainda mais tóxica, porque há nela uma espécie de rancor envergonhado que ela precisa sublimar, porque ela se vê (equivocadamente) constrangida a aceitar a Globo como aliada em tudo que envolve a crítica política nacional.

Essa "parceria", porém, transborda e vaza, penetrando os poros do esquerdista, de modo que, sem nem ter consciência disso, o esquerdista médio brasileiro vão sendo gradualmente "fagocitado" pela moldura mental da Rede Globo.

Esses embaralhamentos no tabuleiro político brasileiro são uma das causas pelas quais muitos esquerdistas estão virando "bots" progressistas "centristas", assumindo uma posição geopolítica cada vez mais "pelas democracias e contra os autoritarismos", e abandonando gradualmente uma antiga postura rígida contra as privatizações.

É claro que isso tem outras causas e constitui um fenômeno internacional, mas a "abertura" para a Globo obviamente acarreta certos efeitos.

O jovem militante esquerdista que 13 anos atrás disse "não falo com mídia corporativista burguesa" para uma repórter da Globo deve aparecer hoje aos olhos do esquerdista "geração Z" como um dinossauro stalinista, uma múmia de tempos tão distantes que chegam a ser incompreensíveis.
Recentemente alguém em uma rede social compartilhou um vídeo de um jovem marroquino dançando uma música de "funk carioca", e comentou que isso era expressão do "soft power brasileiro" no Terceiro Mundo, como algo positivo.

Me parece haver uma confusão aí e essa confusão é a de achar que a internacionalização de um produto cultural plastificado representa algum tipo de "poder" e deveria ser motivo de "orgulho" nos casos em que o "BigMac" em questão for brasileiro.

Isso, em parte, deriva da incompreensão da natureza do globalismo. O globalismo não é unilateralmente ianque. Muitos elementos de outras culturas também se desterritorializam e se internacionalizam de forma massificada. O funk não é um objeto cultural dotado de qualquer qualidade superior como expressão de nosso Ser nacional, mas um subproduto marginal da indústria cultural ocidental.

A projeção cultural só é "poder" quando implica algo concreto nas relações internacionais, e a exportação de estrume subcultural não implica absolutamente nada. Talvez, inclusive, nos transforme em "alvo fácil".

Explico: O mundo caminha na direção de uma reemergência de expressões da Tradição, com populismos conservadores ascendendo por todo o planeta. Quando o Brasil em vez de exportar cultura de qualidade começa a exportar lixo (sob os aplausos dos "nacionalistas"), no dia em que patriotas conservadores de outras nações ascenderem eles nos apontarão como "mau exemplo" e farão campanhas pelo "expurgo" de nossas exportações culturais de suas nações.

O que, por sua vez, redundará em perda de "soft power". Basta pensar a conotação negativa que termos como "Coca-Cola" e "McDonald's" (e os substantivos abstratos neles fundados "coca-colonização" e "mcdonaldização") assumiram, e não apenas em meios de esquerda.
O circo armado em torno do cavalo recentemente resgatado em Canoas tornou inviável abordar antes de agora uma significância do resgate que escapa ao debate rasteiro sobre "cavalo ou humano", bem como a disputa idiota sobre "quem o salvou".

Me refiro aqui à dimensão simbólica do cavalo e seu resgate; evento que, em minha opinião, contém o valor próprio de um "bom agouro", ou seja, de uma co-incidência favorável para o estado gaúcho.

Se para muitos não gaúchos interessados na história do resgate, o cavalo em questão foi rebaixado praticamente à categoria de "pet" (daí, provavelmente, o nome "Caramelo" atribuído aleatoriamente a ele por certas celebridades intrometidas), para pensarmos a dimensão do resgate no imaginário gaúcho é necessário recordar que o cavalo crioulo é o animal-símbolo do estado do Rio Grande do Sul.

Esse status público de animal-símbolo não é senão o reconhecimento de que existe algum tipo de vínculo fundamental entre o "ser gaúcho" e a figura do cavalo, o que é evidente para quem conhece a história e cultura do gaúcho enquanto "etnia".

O filósofo argentino Alberto Buela, que não raro se debruça sobre o "gauchismo", comenta que o cavalo, e a cultura do cavalo, são elementos basilares do que ele chama de "ordem crioula", ou seja, o conjunto de valores e princípios que regem o imaginário gaúcho. O cavalo crioulo descende do rebanho equino trazido por Pedro de Mendoza para Buenos Aires no início do século XVI, e que foram soltos pelo pampa, rapidamente alcançando um tamanho de centenas de milhares e se espalhando do sul do continente até o Peru e o sul do Brasil.

Essa expansão do cavalo crioulo foi fundamental para o surgimento da figura do gaúcho como atividade e identidade ao longo do século XVIII, a partir da mistura entre colonos ibéricos e índios guaranis, minuanos e charruas. O cavalo garantiu a mobilidade necessária para pastorear rebanho bovino pela paisagem horizontal do pampa, na rota do gado do atual Uruguai até São Paulo, tornando o gaúcho uma figura sinônima de "vagabundo", no sentido de "homem que vaga", não raro à margem da lei, como o Martín Fierro, de José Hernandez.

O gaúcho, de fato, passava tanto tempo a cavalo, vivendo como nômade, que ele é simbolicamente associado ao centauro na literatura tradicional gaúcha - gaúcho e cavalo seriam um só ente indivisível. José de Alencar, por exemplo, diz: "O gaúcho tem um elemento, que é o cavalo. A pé está em seco, faltam-lhe as asas. Nele se realiza o mito da antiguidade: o homem não passa de um busto apenas; seu corpo consiste no bruto. Uni as duas naturezas incompletas: este ser híbrido é o gaúcho, o centauro da América".

"Centauro do pampa" é como o gaúcho aparece em O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, obra na qual também os gaúchos adquirem características espirituais e psicológicas atribuídas aos "equinos", o que vai tanto da "nobreza de caráter", "orgulho" e "altivez" até o "sangue quente" e certa "agressividade", e um caráter "viril" exacerbado.

Esse caráter "liminar" do gaúcho, meio homem, meio cavalo, semicivilizado, semibárbaro, parece estar sincronizado com o próprio caráter liminar da vida de fronteira. A existência na fronteira, nos ermos descampados fronteiriços longínquos das metrópoles, sempre parece adquirir certos elementos em comum, da cultura do cavalo a um caráter beligerante, passando por uma espécie de nomadismo guerreiro.

Alguns autores recentes já demarcaram, por exemplo, as semelhanças simbólicas entre o gaúcho e o cossaco, figuras míticas que ocupam papéis liminares transitando entre a figura do "herói" e do "rufião". Essa semelhança estepária do gaúcho é reforçada pelo fato de que por muito tempo o "rapto", geralmente por laçada, foi um dos principais métodos de "noivado" entre os gaúchos do pampa (eu particularmente conheci um camarada cujo avô casou com uma índia que ele havia laçado no pampa), e ainda hoje é um dos principais meios de noivado no Quirguistão e no resto da Ásia Central.
Dugin, ao descrever o "ser" do indo-europeu e depois de comentar sobre o simbolismo da "carruagem da alma" em Platão, se debruça sobre a figura do "centauro" como sendo o tipo humano no qual o elemento guerreiro se sobrepõe desmesuradamente sobre os outros elementos; a figura do cavaleiro, fusão entre homem e cavalo, é a absolutização do princípio heroico.

Não é casual, diz Dugin, que o mito grego descreve muitos heróis clássicos como tendo sido educados e preparados por mestres centauros. De fato, um texto antigo perdido chamado "Os Preceitos de Quíron" (fazendo referência ao mais famoso dos centauros, Quíron, tutor de Asclépio, Aquiles e Jasão), constituiria uma espécie de "manual" de religião e ética para jovens gregos, que começava pelo "culto aos deuses eternos" e continua também orientações sobre conduta pessoal e virtudes.

O centauro, portanto, ao mesmo tempo que era a exacerbação do elemento heroico-guerreiro, não deixava de conter uma dimensão filosófica quando ele preservava a sabedoria e o respeito pelo sagrado, e não se deixava dominar por sua dimensão animalesca.

No mesmo sentido, tem um papel importante na cultura gaúcha a figura do "sábio", não raro um gaúcho velho e experiente que condensa verdades profundas sob a forma de lacônicos ditos populares.

Seria possível explorar muito mais a figura do cavalo e sua relação com o gaúcho, mas esses pequenos comentários e alusões bastam para se perceber que para o gaúcho o cavalo não é um "pet" tampouco um mero "animal" qualquer, sendo propriamente "metade" do seu próprio ser.

A salvação do cavalo crioulo de Canoas, portanto, pode ser vista como um bom augúrio para o futuro do Rio Grande do Sul e do povo gaúcho.
Hoje, Dia das Mães, a Globo decidiu exibir "Minha Mãe é Uma Peça", em que um homem parodia uma "matriarca" brasileira.

O humor em si é pobre, para gargalhar de algo ali é necessário um grande esforço - mas esse tem sido o estado do "humor oficial" no Brasil nos últimos anos, de qualquer maneira.

Desnecessário me "explicarem" que homens interpretando mulheres é algo comum no humor ou no teatro, como o kabuki japonês (em que tradicionalmente não existem atrizes mulheres). Me "explicar" essas coisas é como querer ensinar missa ao padre.

Mas no Dia das Mães não seria mais adequado, na hora de homenagear ou recordar a "mãe", usar uma mulher? Poderiam exibir o filme do "homem vestido de mulher" amanhã ou tê-lo feito ontem, ou então na TV paga, e não na TV aberta.

Se engana quem acha que "não há nada de mais". É ser ignorante de semiótica. Não há nada de mais nesse filme em si, selecioná-lo para exibição hoje em detrimento de outros filmes tem, de fato, um significado particular que passa pela diluição do significado do "ser mulher".
Todos os meus artigos, textos e comentários "sobre a Rússia", "sobre Belarus", "sobre a China", "sobre o Irã", são, na verdade, muito obviamente sobre o Brasil, e não sobre esses países.

Todas as minhas postagens em redes sociais são sobre o Brasil, e isso é tão evidente que me causa espanto ter que explicar.

Um dos métodos pedagógicos tradicionais mais antigos é o dos "exempla", ou seja, a transmissão de conhecimentos, princípios e doutrinas por meio de anedotas ilustrativas, sejam reais ou fictícias.

As "Vidas Paralelas" de Plutarco, e as "Vidas dos Doze Césares" de Suetônio, como a maioria das biografias antigas e medievais de "grandes homens" não são obras historiográficas propriamente, mas manuais de conduta, exemplos cujo fundamento é o esforço por exercer uma influência positiva.

A ideia é de que os homens que querem ser "grandes" devem se inspirar em outros grandes homens. De modo que César se inspiravam em Alexandre, como Napoleão se inspirava em César.

A "parábola" pertence ao mesmo cosmo didático tradicional, mas é uma forma mais específica de anedota que possui como finalidade a exposição de uma verdade metafísica.

Os povos também, em minha opinião, devem buscar os exemplos positivos nas sagas históricas de outros povos, porque cada povo é a instanciação particular da universalidade do homem, de modo que as "diferenças" entre povos não nos impede de aprender com todos os outros. Os povos não existem em bolhas. E cada informação sobre coisas que "estão dando certo" ou "são interessantes" em outros países deveriam ser absorvidas e adaptadas ao Brasil.
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Nada é possível sem os grandes exemplos que inspiram à ação.
De celebrada, hoje a Princesa Isabel está quase esquecida. No lugar da sua memória jaz um vácuo ocupado por uma mistura confusa de constrangimento e ressentimento que embaralha o nosso entendimento sobre o fim da escravidão no Brasil.

O esquecimento da centralidade da Princesa Isabel na abolição da escravatura é, em primeiro lugar, fruto de um revisionismo ideologizado que considera vergonhosa a verdade histórica de que o fim da escravidão no Brasil foi protagonizado, em boa parte, por brancos, com destaque especial de Isabel.

Para afagar a autoestima e construir uma mitologia de protagonismo na libertação de si mesmo por parte dos negros brasileiros enquanto coletividade, apaga-se o papel da Princesa Isabel, considerado politicamente incorreto e até mesmo racista.

Nessa narrativa, a abolição da escravatura teria se dado por algum medo por parte das elites oligárquicas do Brasil em relação a revoltas de escravos. Os oligarcas estariam apavorados com a possibilidade de uma Revolução Haitiana no Brasil, e para evitar o "holocausto revolucionário" (sonho molhado da facção racista do "movimento negro" [hoje a mais midiatizada, financiada e posicionada]) teriam libertado os escravos brasileiros.

A realidade, porém, é que no século XIX houve um pequeno punhado de revoltas de escravos, todas elas rapidamente sufocadas e nenhuma nem mesmo perto de ameaçar as estruturas do poder no Brasil. O Brasil, afinal, não era o Haiti. Diferentemente do Haiti, em que havia uma estratificação social-racial mais rígidas, o Brasil, apesar de sempre ter sido hierárquico, quase não ergueu barreiras especificamente raciais. A escravidão no Brasil era generalizada e estava entranhada a ponto de haver escravos donos de escravos, bem como negros retintos donos de mestiços de pele mais clara (escravos brancos, até onde se sabe, não houve no Brasil).

Por mais atroz que fosse a escravidão em si mesma, pela redução do homem a propriedade e commodity, o Brasil jamais foi o Haiti.

Apesar, portanto, da falta de evidências empíricas ou de argumentações razoáveis, essa tese politicamente correta é uma das mais populares, inclusive nos meios acadêmicos, que consideram estar assim empreendendo uma "reparação histórica". É uma "mentira nobre", consideram os historiadores brancos e mestiços cheios de "amor pela humanidade" em seus corações.

Menos aberrante, mas não menos atentatória contra os verdadeiros heróis da história, é a tese materialista-economicista que reduz todo evento histórico a uma rede de relações de poder, fatores socioeconômicos e interesses de classe, reduzindo os agentes humanos quase a "médiuns" de forças históricas impessoais.

O problema desse tipo de narrativa é que ela também é ideológica e se baseia em uma petição de princípio. Ela é circular. Ora, é óbvio que sempre há uma dimensão econômica em todo evento histórico - mas raramente se consegue demonstrar a causação econômica de um evento histórico de grande importância. Sincronicidade não é causalidade (verdade tão simples, mas tão esquecida).

A realidade é que a tese do "interesse classista pela abolição", para se sustentar, dependeria da existência no Brasil de uma forte burguesia industrial nascente, já dotada de "consciência em si e para si" e capaz de se organizar e mobilizar por seus interesses classistas pressionando o Imperador. Isso simplesmente não existia no Brasil. Qualquer estamento que pudesse ser chamado de "classe burguesa" no Brasil do século XIX não era senão composto de uma classe média burocrática e de um pequeno-médio empresariado ainda engatinhando em qualquer concepção de produção industrial.

Tampouco se pode atribuir, aí, o protagonismo à Inglaterra, já que a sua pressão era tão somente pelo fim do tráfico escravagista, e o interesse pela escravidão brasileira desaparece entre os ingleses após a Lei Eusébio de Queirós. Após o fim da importação de escravos pelo Brasil, os ingleses deixam de pressionar o Brasil. A abolição viria quatro décadas depois.
A realidade é que, por um lado, trabalho dos críticos da escravidão entre os intelectuais (muitos deles mulatos), o clero, oficiais militares e a família real fez a diferença em mover, lentamente, a opinião pública contra a escravidão, até ser quase inevitável a sua abolição.

O trabalho foi, na prática, iniciado por José Bonifácio, que pagou pela tentativa de abolir a escravidão já em 1823 com os seus cargos - mas a semente já havia sido plantada século antes com condenações eclesiásticas à escravidão.

(O abolicionismo de Bonifácio é, usualmente, atribuído a um iluminismo liberal, mas eu o leio como fruto, na verdade, de um nacionalismo romântico que via o povo como totalidade orgânica dos cidadãos, uma visão impossível de realização com o país fraturado entre não escravos e escravos).

Isso foi reforçado por uma bula papal de 1839 que condenava mais explicitamente a escravidão africana e orientava o clero católico a se posicionar nesse sentido.

O próprio Pedro II já pressionava na direção da abolição desde pouco após o golpe da maioridade, mas preocupado com a possibilidade de perder o trono, não se moveu decisivamente na direção da abolição até que a opinião pública já havia virado a favor da abolição. A partir de então, as elites oligárquicas aceitaram uma abolição gradual - mas ela, na verdade, esperava que o ato final da extinção da escravidão nunca chegasse, e que fosse possível simplesmente ir convertendo a escravidão em uma espécie de servidão neofeudal - o que, de fato, ela virou na República Velha.

Isabel era ainda mais radical no antiescravismo e várias vezes criticou seu próprio pai pela falta de avanços na abolição em cartas privadas reveladas apenas nos últimos anos, e nisso estava alinhada a toda a militância católica da época, que através de seus jornais e periódicos pressionava contra a escravidão.

A realidade é que especificamente Princesa Isabel foi decisiva, a nível pessoal e como liderança católica, no fim da escravidão no Brasil. E ela pagou por isso com o Trono - e sabia que pagaria por isso com o Trono.

É impressionante, por exemplo, que comemoremos simultaneamente a Abolição e a Proclamação da República, sem traçar a necessária conexão entre as duas coisas, quando o golpe da Proclamação não foi senão a revanche ressentida das elites oligárquicas indignadas com a abolição "repentina" e temerosas de uma possível reforma agrária que os Bragança estariam preparando.

Isso, inclusive, é tema comum nas obras escritas entre o final do século XIX e o início do século XX. Foi apenas recentemente que esquecemos de onde veio a nossa primeira República.

Isabel perdeu o Trono, mas recebeu do Papa uma rosa de ouro, símbolo que foi, inclusive, imortalizado no samba brasileiro (que, infelizmente, também esqueceu as próprias raízes, e hoje não faz senão repetir as teses caducas de um "de-colonialismo" importado).
Toda crise, como momento excepcional, ou seja, como exceção, fuga da normalidade, é revelador da natureza das coisas. A normalidade permite um automatismo dos processos existenciais que anula o princípio da decisão, a consciência de cada ação.

Um homem pode, distraidamente, viver um "dia normal", quase como se estivesse dormindo: acordar, tomar banho, se vestir, tomar um café, sair, pegar a mesma condução de sempre, fazer o mesmo trabalho de sempre, voltar, tomar banho, ver TV, jantar, dormir.

E nisso de mostrar quem é quem, as enchentes gaúchas expõem a falência da mentalidade tecnocrática, "gestora", que é típica de um liberalismo tardio já desumanizado, em que se espera que o político seja um "técnico", não um estadista.

A mentalidade tecnificada típica desse modelo tende a reduzir tudo a números em planilhas. Não há pessoas, há apenas "recursos humanos", que usualmente operam como "passivos", e em relação aos quais é sempre necessário buscar "cortar custos".

Foi para atender ao falso anseio por "gestores" que apareceram personagens políticos nefastos como João Dória, João Zema, Tabata Amaral e Eduardo Leite. O povo brasileiro achou que o problema era que o "velho político" não era "técnico" e tomava decisões com base em interesses pessoais ou ideológicos, e que o melhor seria alguém que tomasse decisões "científicas" - e essa tolice só é possível porque a nossa geração foi enfeitiçada pelas ilusões da fé na "neutralidade científica" e, pior, de que esse tipo de coisa tem como ser aplicada à política.

É por isso que a minha surpresa com Eduardo Leite dizendo estar preocupado com o "excesso de doações", por elas poderem reduzir as margens de lucro dos empresários gaúchos, é nenhuma.

Foi isso, precisamente isso, que boa parte do povo brasileiro pediu. Um tecnocrata pós-político economicista, a própria imagem da política na pós-modernidade.
https://www.youtube.com/watch?v=wdvkq_XQ4q4

Círculos neoconservadores e liberais falam constantemente na defesa de uma tal "civilização judaico-cristã", mas em que medida isso realmente existe e em que medida não passa de narrativa cuja finalidade seria instrumentalizar os cristãos europeus e americanos em prol de interesses que não são os seus?
Há alguns dias eu escrevi que poderíamos ver atentados contra alvos russos e pró-russos ao redor do mundo e não apenas na Rússia e Ucrânia. Releiam o meu artigo:

https://t.me/camaradamachado/2370

O que aconteceu com o Robert Fico hoje mostra que eu estava certo e representa o início de uma nova fase na Terceira Guerra Mundial.
Atentado Terrorista contra Robert Fico: Nova Fase na Terceira Guerra Mundial

O Primeiro-Ministro da Eslováquia, Robert Fico, foi hoje alvejado no ombro e na barriga em uma tentativa de assassinato. Ele já foi operado, mas o seu estado ainda parece ser crítico.

O terrorista que tentou assassiná-lo é o eslovaco Juraj Cintula, um liberal de esquerda vinculado ao Partido Progressista, formação política pró-UE, pró-Ocidente, pró-Ucrânia, pró-imigração, favorável à ideologia de gênero e a todas as outras pautas subversivas e anticivilizatórias que emanam do esgoto ocidental.

Ele assumiu a autoria do atentado e disse que o fez por razões políticas, por não concordar com a postura e posições assumidas por Fico. Cintula representa o típico atlantista contemporâneo: progressista, liberal, cosmopolita.

Ele se opunha a Fico por tudo aquilo que Fico representa, mais do que pela postura geopolítica dissidente: a restauração de uma civilização europeia, fundada em valores tradicionais milenares, centrado na ideia de família, de um Estado forte que tutela o bem comum dos cidadãos, da preservação de uma identidade etnocultural própria, da Eslováquia como parte de uma Cristandade e não como mero "estacionamento de shopping" vazio de valores e em que o cidadão não passa de um número.

Naturalmente, é a posição identitária europeísta que levava Fico tanto a se opor à OTAN, aos EUA e à UE como a defender o entendimento entre Rússia e Europa, tanto como civilizações aparentadas, quanto como necessidade geopolítica. Todo geopolitólogo sabe que a aproximação entre Rússia e Europa é uma necessidade demandada pela geografia, necessidade que dará a ambas partes uma grande capacidade autárquica - razão pela qual tem sido o objetivo atlantista desde pelo menos o século XIX sabotar todas as tentativas de aliança entre a Rússia e as potências continentais europeias.

Como patriota e defensor de uma civilização europeia tradicional, Fico tem sido um multipolarista; e por ser um multipolarista se opõe à insanidade provocada por Washington e Bruxelas no território ucraniano: a aniquilação planificada de uma etnia russa gerenciada por um comediante estrangeiro para tentar desgastar a Rússia e enfraquecer a civilização europeia enquanto polo autônomo potencial no mundo multipolar. Precisamente por isso, Fico tem tentado se afastar de todos os compromissos antinacionais, antieuropeus e russofóbicos assumidos por seus antecessores, interrompendo, por exemplo, todos os auxílios militares ao projeto de genocídio ocidental do povo ucraniano.

Na mesma linha, Fico tem se destacado por seus ataques ao Fórum de Davos, bem como por suas desconfianças em relação à tirania sanitária orquestrada a partir da OMS para o malefício dos trabalhadores e classes médias anos atrás.

Tudo isso somado me leva a crer que a tentativa de assassinato de Fico, que talvez venha a se consumar, a depender da vontade de Deus, da perícia dos médicos e de sua força de vontade, foi arquitetada a partir dos corredores e porões dos serviços de inteligência e subversão do mundo atlântico.

Em um artigo escrito para a Fundação Cultura Estratégica, eu utilizei a ameaça de bomba na Embaixada Russa no Brasil como ponte para refletir sobre a possibilidade de ataques terroristas contra alvos russos e pró-russos ao redor do mundo - expandindo uma tática de terrorismo que até então havia se limitado às fronteiras eurasiáticas.

Poucas semanas depois, em um ataque reminiscente do ataque contra o Arquiduque Francisco Ferdinando que acendeu o pavio da Primeira Guerra Mundial, vemos um atentado terrorista como o mencionado por mim.

Essa internacionalização da tática terrorista contra a vanguarda multipolar significa para a Europa (onde esse tipo de operação talvez se concentre mais) a possibilidade de sua "africanização" política - ou seja, que a Europa viverá tempos de assassinatos políticos, guerras civis, separatismos e golpes militares ou civis, tudo construído com o objetivo de impedir a reorganização do continente em um sentido soberanista e multipolar.